segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Comissão da Verdade ou Confissão da acomodação?

 
O carrasco mata duas vezes. Pela dor causada no corpo do prisioneiro e pela proibição da memória dos outros.


Arquivo Agência Estado
O que restou da ditadura? Responderia com outras perguntas: continua ou não a existência das torturas? Será que foi extinta a repressão policial contra os setores populares? Fortaleceu-se ou não a corrupção pela privatização do Estado? Continuou ou não o poder do grande capital sobre a política do país? Responda você mesmo!

Alguns contrargumentariam: cresceram os Direitos Políticos na possibilidade de participação. De outro lado, outros afirmariam: lastimáveis são as fragilidades dos Direitos Sociais (saúde, educação, etc). Ainda há os que constatam: houve uma relativa distribuição da renda. O desenho do nosso retrato social não é mais uma pirâmide, mas sim um losango. Mas ninguém negaria que atualmente as torturas de tantos “Vladimir Herzogs” (jornalista assassinado em 1975) são mais frequentes nas prisões comparadas aos Anos de Chumbo.

Apesar das opiniões, contraditórias ou não, muitos estudantes ainda me perguntam: por que, até agora, não se permitiu o acesso aos arquivos da ditadura militar (1964/85)? Afirmam que isso é anticonstitucional, pois todo cidadão tem direito de saber da história do seu país.

Outra pergunta feita pelos jovens: qual a razão que torturadores do Estado autoritário (crime hediondo e imprescritível pela lei) estão impunes pela Justiça?

Vamos para as respostas oficiais, dadas pelos últimos governantes (desde Sarney até Lula): as informações contidas nos arquivos quebrariam o Direito de preservação da intimidade dos ex-prisioneiros. Mas, você acredita nisso? Ora, intimidades conseguidas sob torturas não têm valor jurídico ou de verdade, pois são obtidas na coerção do carrasco. Na dor o prisioneiro confessa qualquer coisa desejada pelo algoz. Não gera, então, credibilidades.

Então, qual a razão de não se abrir os arquivos? Uma das encrencas é esta: os documentos (papéis governamentais, fotos, filmes, entrevistas, etc.) podem revelar dados incômodos, isto é, os responsáveis pelo financiamento dos órgãos de repressão. E se atentem ao seguinte: antigos colaboradores do terror do Estado, talvez sejam alguns dos atuais financiadores eleitorais. Sem dúvida, esta “caixa preta” pode gerar constrangimentos nos governos, qualquer que sejam os partidos. Recordo até uma frase do general Geisel: “Vocês já se esqueceram que foram os empresários paulistas que financiaram a OBAN?”.

Outra resposta dada pelas autoridades: os torturadores não foram aos tribunais porque a Lei da Anistia, 1979, amparou a todos, também aos carrascos. Mas o dado justo, caro indignado, é outro: a anistia é uma reparação para quem foi vítima e não para quem matou. E jamais pode ser uma autoanistia feita em parceria com os criminosos. Caso contrário, os nazistas deveriam ficar impunes. Não é verdade?

Na Argentina, por exemplo, tentaram a mesma barbaridade na Lei do Ponto Final. Mas os políticos, pressionados pela jurisprudência nacional e internacional, recuaram e tiveram que honrar a Justiça.

Então, qual é o centro do problema? Foi feita uma conciliação entre os que saíram do poder e os que entraram nele. É como se os ditadores dissessem: “Eu saio, mas vocês preservem o essencial: o sistema de dominação. Garantam os interesses econômicos de quem nos sustenta e a nossa segurança política”. Aí está o nó da questão: trocam-se os governantes, mas se preserva o essencial da dominação!

No entanto, nem tudo são favas contadas. Dúvidas é que não faltam. Agora, com a boa proposta e execução da Comissão da Verdade, será que realmente os fatos serão apurados? Ou continuará essa Confissão de Acomodação? Não sei... Sem dúvida, que existem “cascas de banana” no meio do caminho: o tempo de apuração das atrocidades, 1946/1985, é muito largo e retira o foco do principal: a própria ditadura militar. Além disso, o número de pessoas desta Comissão, apenas sete, são insuficientes.

Vai dar certo ou não? Não tenho respostas conclusivas. Vai depender do debate organizado pela sociedade civil. Só na mobilização dessa eu confio! Caso contrário...

Fico torcendo para que tudo seja transparente, e se faça justiça no país. É como disse a presidente Dilma ao assinar a criação da Comissão da Verdade: “Hoje o Brasil inteiro se encontra, enfim, consigo mesmo, sem revanchismos, mas sem a cumplicidade do silêncio”.

1 comentários:

Douglas Ciriaco disse...

Como na peça "A exceção e a regra", de Bertolt Brecht, em que caminhavam pelo deserto um comerciante e seus dois empregados, ambos os lados não estava me pé de igualdade, mesmo que caminhassem no mesmo deserto. Durante a ditadura, aqueles que combateram-na e aqueles que ajudaram a legitimá-la não estavam em pé de igualdade, logo, como bem ressalta seu texto, a anistia não serve para quem levou à cabo a política oficial de tortura.

Nessa hora lembro-me das pendengas que o Galvão Bueno e outros cronistas esportivos nos fazem ter com o povo argentino, um povo que elegeu uma mulher presidenta antes da gente, que teve coragem para enfrentar as oligarquias da comunicação com a Ley de Medios e também a condenar torturadores e ditadores, sem revanchismo, apenas aplicando a justiça.

Ah se o Brasil olhasse mais pros seus vizinhos...

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