segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Contra Belo Monte, desde 1970

"Não estamos repetindo os mesmos erros de falsos sonhos
acontecidos quando da construção das usinas
de Itaipu e de Angra dos Reis?"
Inúmeros artigos estão denunciando o estrago ambiental e social que ocasionará a construção da hidrelétrica de Belo Monte, localizada no rio Xingu, estado do Pará. As críticas apontam quatro dramas: a ausência de diálogo do governo federal impondo “goela abaixo” o empreendimento nas populações locais; os dramas na inundação de 600 quilômetros quadrados sobre as terras indígenas dos caiapós, xipaias, jurunas e araras; o problema da usina funcionar com apenas 1/3 de suas potencialidades, ocasionadas por oito meses de secas na região; e, finalmente, o custo de 19 bilhões de dólares na construção da terceira maior usina do mundo.

Venho ressaltar outro fato de tendência mais ideológica. Repare que o discurso governamental se utiliza do mesmo jargão do “progresso e desenvolvimento” apostando num promissor Brasil, semelhante aos militares que prometiam nos anos 70 o chamado Brasil Potência. Isso não é esquisito? Não estamos repetindo os mesmos erros de falsos sonhos acontecidos quando da construção das usinas de Itaipu e de Angra dos Reis? Qual o motivo dessa exaltação, que tanto mal fez anteriormente, num governo que se diz mais voltado a interesses humanistas?

Creio que as respostas podem elucidar os interesses do Brasil, de fato, e não os de promessas. E aqui um pouquinho de história: nos chamados “Anos de Chumbo”, o país atravessava um momento econômico com grande favorecimento voltado ao grande capital, principalmente multinacional. E daí? Isso potencializou a exploração da mão de obra local e a desigualdade social - os 50% mais pobres, que em 1970 detinham 14% do PNB (Produto Nacional Bruto), ficaram em 1976 com apenas 11%. Os 5% mais ricos aumentaram de 34% para 39% a posse da riqueza nacional. Foi o chamado “Milagre Brasileiro”.

Hoje, diante do fracasso do modelo ditatorial no uso do “porrete”, os últimos governos adotaram uma forma mais sutil de dominação. Sua forma é mais sofisticada no uso, não da coerção, mas na busca de um consenso por meio da inclusão pelo mercado. Integram pelo consumo, mas desintegram também. Como?

Ora, a explicação do discurso ufanista é que o governo, na defesa do poder econômico, tem a necessidade de criar uma imagem publicitária de um Brasil mais glorioso.

Veja: nos últimos oito anos, houve uma elevação de 57% no salário mínimo, em contrapartida os empresários tiveram um aumento de 400% nos lucros. Segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o governo gastou nos últimos sete anos com o Bolsa Família por volta de 77 bilhões de reais; de outro lado, foram pagos em forma de juros 1,27 trilhões de reais - 14 vezes maior do que os dirigidos aos setores populares.

As informações são passadas de forma a criar “ondas” de bem-estar - a energia de Belo Monte em plena selva amazônica, o pré-sal no fundo do mar - pela sedução de uma promessa onde todos, no culto dos mercados, vitrines e suas compras, ganharão com as novas ousadias.

Será que os lucros serão socializados? Os impactos sociais e ambientais serão compensados pela distribuição dos benefícios? Você acredita nisto? Que Belo Monte será criado?

Creio que coincidências não são inexplicáveis. Mas, sim, tecem entre si mesmas causalidades. Você já percebeu que o nome Belo Monte é o mesmo da localidade onde houve o massacre de 30 mil sertanejos no massacre de Canudos, praticado pelo Estado brasileiro na igual defesa da “ordem e progresso”? Tristes sintonias...


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Os estudantes da USP e os "conformistas sem causa"


Pessoal, gostei bastante do artigo de hoje do Antonio Prata na Folha de São Paulo, em que mostra sua visão sobre os estudantes da USP. O tema pode até já estar desgastado, mas é uma discussão sempre válida.

Ele acerta em cheio ao perceber o quanto precisamos de rebeldia ao invés de conformismo.

O título do texto é Conformistas sem causa.

O autor utiliza como referência uma matéria sobre Rimbaud, o poeta francês que mudou a história da literatura entre os quinze e os vinte anos de idade: “Sua escrita, embora formalmente impecável e laboriosamente trabalhada, dependia da rebeldia adolescente, da vontade de destruir as instituições e lugares comuns, de viver todas as experiências simultaneamente e fazer do próprio corpo o epicentro do mundo”

Abaixo, segue um trecho que me chamou a atenção:

“Os jovens, vez ou outra, também ameaçam a frágil segurança de nossas certezas. Na semana passada, estiveram por quatro vezes na capa deste jornal: um rapaz descendo uma viela da Rocinha, com uma prancha de surfe embaixo do braço, uma turma banhando-se na lama, no festival SWU, garotos e garotas enfrentando a polícia em Nova York e Milão. Esportes radicais, rock'n'roll, revolta: mesmo que você ache tudo isso uma bobagem, impossível ignorar a centelha, a pergunta que nos fazem aquelas imagens: será que não nos acomodamos? Será que estamos tirando da vida o máximo que ela pode dar? 

Aí é que, para nosso alívio, surgem os invasores da reitoria: ao vê-los, tão equivocados, podemos crer que toda rebeldia é burra, que sonhos são coisa de quem usa pochete e exibe fotos do Mao Tsé-tung. Satisfeitos, confirmamos nosso acerto, validamos a segurança da vida adulta contra as inquietações da juventude, a troca da poesia pelo comércio -profissional, social, afetivo-, que realizamos todos os dias. 

Nada melhor que rebeldes sem causa para dar sentido ao nosso conformismo.

É isso! Além da edição impressa, o artigo, na íntegra, está disponível para assinantes no site da Folha de São Paulo.

Antonio Prata no Twitter: @antonioprata
Blog: www.antonioprata.folha.blog.uol.com.br

 
Vale lembrar que já falei sobre o assunto por aqui: Polícia versus estudantes da USP.


segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Comissão da Verdade ou Confissão da acomodação?

 
O carrasco mata duas vezes. Pela dor causada no corpo do prisioneiro e pela proibição da memória dos outros.


Arquivo Agência Estado
O que restou da ditadura? Responderia com outras perguntas: continua ou não a existência das torturas? Será que foi extinta a repressão policial contra os setores populares? Fortaleceu-se ou não a corrupção pela privatização do Estado? Continuou ou não o poder do grande capital sobre a política do país? Responda você mesmo!

Alguns contrargumentariam: cresceram os Direitos Políticos na possibilidade de participação. De outro lado, outros afirmariam: lastimáveis são as fragilidades dos Direitos Sociais (saúde, educação, etc). Ainda há os que constatam: houve uma relativa distribuição da renda. O desenho do nosso retrato social não é mais uma pirâmide, mas sim um losango. Mas ninguém negaria que atualmente as torturas de tantos “Vladimir Herzogs” (jornalista assassinado em 1975) são mais frequentes nas prisões comparadas aos Anos de Chumbo.

Apesar das opiniões, contraditórias ou não, muitos estudantes ainda me perguntam: por que, até agora, não se permitiu o acesso aos arquivos da ditadura militar (1964/85)? Afirmam que isso é anticonstitucional, pois todo cidadão tem direito de saber da história do seu país.

Outra pergunta feita pelos jovens: qual a razão que torturadores do Estado autoritário (crime hediondo e imprescritível pela lei) estão impunes pela Justiça?

Vamos para as respostas oficiais, dadas pelos últimos governantes (desde Sarney até Lula): as informações contidas nos arquivos quebrariam o Direito de preservação da intimidade dos ex-prisioneiros. Mas, você acredita nisso? Ora, intimidades conseguidas sob torturas não têm valor jurídico ou de verdade, pois são obtidas na coerção do carrasco. Na dor o prisioneiro confessa qualquer coisa desejada pelo algoz. Não gera, então, credibilidades.

Então, qual a razão de não se abrir os arquivos? Uma das encrencas é esta: os documentos (papéis governamentais, fotos, filmes, entrevistas, etc.) podem revelar dados incômodos, isto é, os responsáveis pelo financiamento dos órgãos de repressão. E se atentem ao seguinte: antigos colaboradores do terror do Estado, talvez sejam alguns dos atuais financiadores eleitorais. Sem dúvida, esta “caixa preta” pode gerar constrangimentos nos governos, qualquer que sejam os partidos. Recordo até uma frase do general Geisel: “Vocês já se esqueceram que foram os empresários paulistas que financiaram a OBAN?”.

Outra resposta dada pelas autoridades: os torturadores não foram aos tribunais porque a Lei da Anistia, 1979, amparou a todos, também aos carrascos. Mas o dado justo, caro indignado, é outro: a anistia é uma reparação para quem foi vítima e não para quem matou. E jamais pode ser uma autoanistia feita em parceria com os criminosos. Caso contrário, os nazistas deveriam ficar impunes. Não é verdade?

Na Argentina, por exemplo, tentaram a mesma barbaridade na Lei do Ponto Final. Mas os políticos, pressionados pela jurisprudência nacional e internacional, recuaram e tiveram que honrar a Justiça.

Então, qual é o centro do problema? Foi feita uma conciliação entre os que saíram do poder e os que entraram nele. É como se os ditadores dissessem: “Eu saio, mas vocês preservem o essencial: o sistema de dominação. Garantam os interesses econômicos de quem nos sustenta e a nossa segurança política”. Aí está o nó da questão: trocam-se os governantes, mas se preserva o essencial da dominação!

No entanto, nem tudo são favas contadas. Dúvidas é que não faltam. Agora, com a boa proposta e execução da Comissão da Verdade, será que realmente os fatos serão apurados? Ou continuará essa Confissão de Acomodação? Não sei... Sem dúvida, que existem “cascas de banana” no meio do caminho: o tempo de apuração das atrocidades, 1946/1985, é muito largo e retira o foco do principal: a própria ditadura militar. Além disso, o número de pessoas desta Comissão, apenas sete, são insuficientes.

Vai dar certo ou não? Não tenho respostas conclusivas. Vai depender do debate organizado pela sociedade civil. Só na mobilização dessa eu confio! Caso contrário...

Fico torcendo para que tudo seja transparente, e se faça justiça no país. É como disse a presidente Dilma ao assinar a criação da Comissão da Verdade: “Hoje o Brasil inteiro se encontra, enfim, consigo mesmo, sem revanchismos, mas sem a cumplicidade do silêncio”.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Reclamação da República: o 15 de novembro

A palavra república deriva do termo res, coisa. E do sufixo publicae, significando o que é de todos. Enfim, uma coisa pública. Nesta pretensão – maior participação social – alguns homens do Império, como Joaquim Nabuco, pretendiam transformar o país, eminentemente escravocrata, numa nova aurora pela Cidadania, mais democrática. Como? Realizando a abolição com reforma agrária, isto é, libertando o povo e dando, como indenização aos explorados, o direito de possuir sua pequena propriedade para digna existência.

Foi isto que aconteceu? Evidentemente que não. O Brasil foi enquadrado no mando dos “coronéis” na República Velha. Continuaria a exclusão popular, pois os analfabetos, mulheres, mendigos não podiam votar. Era tão separatista que, de 100 pessoas, apenas 12 tinham o privilégio dos direitos políticos.

Será que este fato foi apenas um dado excepcional na nossa história? Creio que não, e não mesmo. O mesmo repetiu-se em outras épocas: o novo revigorou o antigo. Vejam esta esquisitice: pusemos um português para realizar a nossa independência. Um monarquista, Deodoro da Fonseca, como primeiro presidente. Também Getúlio Vargas, ministro da Fazenda da República Velha, dirigiu por 24 anos o país. Depois tivemos a “Revolução” de 1964, que foi um golpe militar. E, recentemente, pelas vias indiretas assumiu o poder José Sarney (1985/1990) que foi chefe do partido militar, a Arena, inaugurando a chamada Nova República. Não é irônico e sugestivo tudo isto?

E hoje? Sem dúvida estamos mais modernos e tecnológicos. Para alguns mais comodidades, para muitos nem tanto. Mas não caio no discurso do “progresso”, deixando de ressaltar o principal: as condições humanas de existência. Vejam nossas insuficiências centenárias: tortura, desigualdade social, sofrível debate político, permanência do latifúndio, saúde humilhante, sistema educacional de idiotices (pela década de 60 foi melhor!) e segurança voltada aos que têm propriedades. Estou mentindo?

Sei igualmente de alguns avanços. Tivemos movimentos sociais interessantes – CUT, UNE, CEBs, MST – mas que hoje estão amorfos. E por quê? Estamos repetindo (aceitando?) velhas formas de cooptação do poder. Em História designamos pelo nome de conciliação, isto é, quando os dominantes deixam brechas para que grupos dominados da oposição moldem-se às velhas engenharias de poder.

Seria possível imaginar tempos atrás Sarney com Lula? Outro exemplo: Waldemar da Costa Neto subsistindo pelo governo de Brasília?

Caros indignados, hoje está difícil concordar. Não se esqueçam das observações de Maquiavel: existe o momento do leão num lema: quem não estiver do meu lado, ajoelhe-se. Mas existe a hora da raposa, noutro lema: quem não estiver do meu lado, venha que a gente se ajeita. Estas frases não são elucidativas?

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Polícia versus estudantes da USP

Foto: Nacho Doce, Reuters
Pertenço a um instituto de pesquisa da USP conhecido pela sigla LEI (Laboratório de Estudos sobre a Intolerância). Nesse grupo, estudamos como a força do Estado, de mãos dadas a autoritarismos, reprime os Direitos da Cidadania e mantém os privilégios do grupo dominante.

De outro lado, é fundamental saber que conquistas como a não aceitação dos desmandos do poder sempre foram feitas com protestos.

Grande lição da História: percebemos nitidamente que dramas – déficits educacionais, problemas juvenis, frágil representação política de entidades, etc – não se resolvem com “manda descer o cacete” ou “esse pessoal só aprende no tapa” sobre grupos sociais. Ainda mais, se for dentro de qualquer escola. Estudante não aprende com bordoada. Valores não nascem dos horrores. Ponto.

As soluções dos problemas da USP (seja uso de drogas, assassinatos, etc) não estão com mais “PM neles”, nem na criminalização de atos comportamentais. É também ineficaz lançar tropas de choque sobre pessoas que ocupam lugares públicos como aconteceu na desocupação do prédio da reitoria. Ou, igualmente, contra indignados em Wall Street; na Plaza Major, em Madrid; no Anhangabaú, em São Paulo. Prisão para quem protesta? Percebam o exemplo dos estudantes chilenos!

O fogo principal não vem dos cigarros de maconha acesos (essa discussão rima com conscientização), mas dos desmandos do reitor dentro da Universidade de São Paulo. Então, qual é a causa de tudo isso?

Você sabia que o atual reitor da USP, João Grandino, é considerado “persona non grata” na própria faculdade de Direito da USP? Você sabia que está sendo processado por corrupção na utilização de 240 milhões de reais, sem consulta aos órgãos universitários? Você já se perguntou por quê o reitor não utiliza a guarda universitária (esta instituição sempre existiu na UNICAMP, UNESP e antigamente na USP) e, agora, foi chamada a PM?

Existe uma bomba de erros administrativos na USP. Os alunos também apontam a insuficiência dos quadros docentes, má remuneração dos funcionários, reformas pedagógicas emperradas, precariedade de instalações, terceirizações de serviços. E, o absurdo: a introdução de mensalidades nas chamadas Fundações.

Mas alguns pensam: estudantes da USP não devem ter privilégios. Concordo. Devem ser tratados, nas suas qualidades e defeitos (atualmente a UNE está cooptada ao Estado!) com debates e divergências na busca de um consenso. Da mesma maneira que você, caro leitor, aprende com esclarecimentos. É como faço com meus alunos em sala de aula.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O blog da cidadania

Estamos a merecer um safanão. O Brasil um arrastão de protestos. E o mundo um reordenamento nas suas entranhas globalizantes. Os três, em ritmos diferentes, precisam sofrer um questionamento. Ou, no mínimo, uma regulação (apenas uma reforma será o suficiente?) nas suas vértebras. É urgente revirar nossa história, comportamentos e ideias. E, sem dúvida, é preciso incomodar.

Mas por quê? O problema não é somente o desemprego em escala mundial, precarização dos direitos, apartação nas cidades entre ricos e pobres, crescimento da violência e do narcotráfico, privatização dos espaços públicos, corrupção governamental e esta avalanche midiática implantando silicones nas ideias.

O horror é a ausência significativa do protesto, o olhar baço do oprimido, a desmobilização social na acomodação da vida privada. E a constatação: os nossos canais de representação --- especialmente partidos --- estão entupidos.

Então, o que fazer? Caminharemos ou não aos movimentos de indignação pública? Lembro-me de uma frase do Frei Beto: “político é igual feijão, só funciona na panela de pressão”. Creio que  precisaremos incrementar o debate e a organização da sociedade civil na localidade onde se mora, ama e luta.

Precisamos terminar com esta pasmaceira do “faz de conta”, dos panos quentes sobre os problemas, a açucarada cordialidade nos salões, os artistas decorativos do “fashion” e o assassinato cultural nas escolas adestrando “soldadinhos” para um babante saber.

De outro lado, não ficar encalacrado em verdades absolutas, em petrificadas ideologias de plantão. Pelo contrário, precisamos, pela divergência, reconhecer o outro, aceitar a permanente perplexidade, promover a dúvida constante, perceber o conflito como fundamental ao convívio humano.

Temas como a exploração do mundo do trabalho, o poder abusivo dos monopólios no setor de telecomunicações, o desrespeito contínuo dos Direitos Humanos pelo abuso policial, a implementação da Comissão da Verdade, a cultura como mola mestra pela integração social, crítica contundente contra a corrupção (dar nomes também aos corruptores do mundo privado) e reforma política são temas urgentes para o debate e mobilização social.

É com esse intuito, pouco conclusivo, mas espero incisivo, que inauguro a minha tribuna de polêmica. É um novo espaço para os meus leitores exercitarem o incômodo como mola mestra do pensamento. Espero com isso, colaborar para a difusão libertadora dos Direitos Humanos e da Cidadania.        

Parafraseando Picasso: eu não desenho com, caminho contra.